"CORPO DE GRANFA"
- Mas já sabem que ela é? Perguntou Nenê: nos documentos Maria Angélica Aragão.
Não demorou muito pra favela estar totalmente fechada, o povo acuado sem saber o que fazer, os jornais invadiram o local, todos olhavam com desconfiança para os moradores que para muitos não passavam de miseráveis sem futuro.
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Fecundou, já era!
Graciosa como uma deusa. A barriga crescendo e deformando todo o corpo, mas conduzindo a um estado todo cheio de graça e majestade como quem carrega o mundo. A própria imagem de um ser unicelular preparando-se para sofrer outra meiose.
No primeiro embate, a primeira perda. Entreaberta a porta por onde entra e sai o mundo, arrebentando se escapa o rebento e arrebatado explode em choro. Uma ri e o outro chora.
Sugando o sono, sugando o sangue e o leite segue sempre buscando, crescendo e alimentando as ilusões e se alimentando delas. Adquirindo e absorvendo todo um mundo de informações preciosas que pululam ao seu redor, desde os: papá, mamá, até os gugu-dadás e os famigerados bilú-bilús. “Que lindas bochechinhas rosadas!” Ninguém lembra que assim estão de tanto serem amassadas. Os pipis, os cocôs e tantas outras secreções. É a natureza impondo e fazendo valer a necessidade irrefutável dos seus ciclos. Um encanto!
Andar, cair, puxar, quebrar e tudo de novo. Aprender a palavra mais repetida pelo resto da sua vida: não! Justamente na entonação mais comum. As artes e artimanhas sempre seguidas dos sorrisos mais marotos e inocentes. Que danadinho! Não é uma gracinha? Como reprimir as estripulias de alguém com tanta candura? Mãe é mãe, sempre perdoa.
Uma profusão de hormônio e humores essa tal de puberdade, adolescência. Muito graciosa sua teimosia, sua rebeldia. Será isso independência? Mãe é mãe, sempre compreende, mas nem tanto. Piercing, tatuagens, cabelos compridos? Nem pensar, no meu bebezinho, não. Mas o bebezinho já é quase adulto e se nega a aceitar os mandos e desmandos da mamãe protetora e da mamãe octopus – oito braços, todos eles para se derramar em carinhos, abraços e afagos. Mãe é mãe, sempre carente de carinho filial.
Namorar? Mas é ainda tão novinho!
Mamãe não percebe que o bebê cresceu e passarinho quando ensaia o bater das asas é porque quer voar. Mãe é mãe, sempre ciumenta da sua cria. Mas a cria nunca deixa de ser da mamãe?
A porta da rua sempre tão convidativa, o vento vadio sempre guia, a roda de amigos sempre cúmplice e o beijo na boca sempre tão desejado vão desgarrando mais um. É hora de se estabelecer, de escolher seu próprio bando e demarcar seu próprio território. Mãe que é mãe superprotetora nunca aceita.
Tanta liberdade, toda esse excesso de confiança, tanta independência lhe maltratam o coração. Somente subindo mais alto para cair mais fundo. Mãe possessiva, ciumenta e carente esquece seu papel. Esquece que ser mãe é padecer no paraíso. Padeça-se então. Briga pela atenção perdida e só consegue o oposto do que deseja – distanciamento. Uma chora e o outro ri.
O rancor culminou por lhe afastar dos seus mais queridos. Visita de netos com hora marcada. Frases curtas e temperadas de ressentimentos. Restrições, abandono e frieza.
Onde mamãe errou?
Será que foi por compreender demais quando deveria educar? Terá ela respeitados as vontades ou quis induzi-las? Será que foi proibir demais quando deveria compreender? Ter protegido quando deveria castigar? Será que foi jamais entender que ninguém escolhe pelos outros? Ou foi por nunca aceitar que ninguém escolhe do que gostar, apenas gosta ou não e somente identifica seus gostos? Será que foi por esquecer por toda a vida que os filhos são do mundo e não delas?
Cumprindo os desígnios da natureza, conduzidas pela mão do instinto e do desejo, de uma forma tosca que seja, só as mães são felizes.
Rubens Soares de Oliveira.
Humaitá, 20 de agosto de 2007.
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