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terça-feira, 28 de setembro de 2010

MUDANDO DE RUMO (ESPAÇO LITERATURA)

-Seu Ambrósio, por favor, me ajude com este pobre rapaz, ele está muito mal... Foi picado por uma surucucu, não lhe resta muito tempo.


- Tenho aqui um Específico Pessoa, dá um pouco pra ele, isso vai cortar um pouco do efeito.


- Tudo bem deixa tentar salvar este filho de Deus.



Raimundo então põe o rapaz na canoa e toca pra Humaitá. O motor rabeta é muito lento e o moço se contorce sentindo suas forças indo embora.


Olhando ao lado Raimundo vê se aproximar uma voadeira (espécie de lancha com motor de popa) faz sinais desesperados pedindo para que ela pare. A outra embarcação emparelha com a sua e ele então é inquirido pelo dono da voadeira:


- O que está acontecendo por aí?


- Pelo amor de Deus, este rapaz foi picado por uma surucucu e tem pouco tempo de vida, como a minha canoa só vou chegar a Humaitá com muita sorte daqui a seis horas. Ajude-me, por favor. Disse Raimundo.


- “Sobe ele aqui e amarre tua canoa aí atrás”.


A voadeira conseguiu chegar a Humaitá em uma hora e meia. O rapaz foi salvo, ficou uma semana internado e voltou com vida à sua casa onde tinha esposa e quatro filhos.


Raimundo ainda ficou em Humaitá mais dois dias para certificar-se de que seu anônimo amigo estivesse bem e voltou à sua comunidade com menos dinheiro, mas, leve de consciência.


Como vive da pesca Raimundo não poderia chegar a sua casa com as mãos vazias. Sua malhadeira ficou em seu lar e o que tinha para levar algum peixe para lá era uma linhada e um anzol. Mas como pescar? Minhocas é uma idéia antiga mais funcional.


Raimundo entrou num Igarapé, para ele estranho até aquele momento. O lugar parecia não receber ninguém há muito tempo. Quando deu a primeira cavada com uma faca reparou que o solo estava fofo e logo surgiriam muitas minhocas, milhares e incontáveis minhocas. Ele estava feliz por conseguir tão rapidamente o que traria o seu pão diário.


Por não precisar cavar muito Raimundo só deu três investidas no solo, porém na última cavada percebeu um som oco que dizia haver algo escondido entre as minhocas. Aproveitando a leveza da terra solta começou a desvencilhar o elemento até então estranho, mas que descobriria se tratar de uma garrafa de vidro bem antiga cheia de areia. Pensava ele até ali.


- Eu não posso acreditar. Meu Deus, isto é ouro, ouro... Ouro!


Aquela garrafa possuía pelo menos um quilo do precioso metal, ele era puro e reluzente, mas como tudo foi parar ali?


Em 1985, Salatiel Romão achou um grande veio de ouro no grande Madeira, como tinha pouca gente trabalhando com ele, sua descoberta se resumiu a dois homens que ganhavam muito pelos serviços que prestavam diferente de outros donos de balsas que pagavam mal aos que ajudavam o metal mais cobiçado do mundo a vir à tona.


Uma noite em sua balsa algo muito estranho aconteceu Salatiel acordou muito cedo, de madrugada para se aliviar de uma forte dor de barriga. Sem que fossem percebidos os dois homens que trabalhavam para ele estavam conversando em tom de cochichos e tramavam a morte dele ainda para aquele dia. Judivino e Marcino já haviam tramado a forma e hora da morte, tudo seria rápido e sem vestígios. Como recompensa pegariam a garrafa de ouro que estava em poder de Salatiel.


Quando ouviu todo o plano macabro empreendido por seus funcionários, Salatiel desamarrou a canoa com o motor rabeta do outro lado da balsa e quase sem fazer barulho remou até uma distância em que podia ligar seu rabeta sem que pudesse ser alcançado.


Após ligar rapidamente seu rabeta Salatiel avançou nas águas do Madeira sendo alvejado por vários tiros de espingarda que erraram todos o alvo. Já visualizando seus perseguidores entrou num igarapé à sua esquerda deixou a canoa igarapé acima e fez vários sinais nas árvores que o fariam encontrar novamente seu tesouro.


Neste momento viu os dois endiabrados passarem em busca dele igarapé acima. Salatiel conseguiu escapar, mas nunca mais conseguiu achar o lugar em que havia escondido o ouro tão precioso.


Durante muitos dias ele voltou várias vezes ao local, mas nem a entrada do igarapé ele conseguia encontrar. Desistindo da idéia resolveu pedir a Deus que um dia alguém de bom coração pudesse encontrar aquele tesouro e usá-lo da melhor forma possível. Após esta oração Salatiel viu sua vida voltar a prosperar e aquele ouro perdido não representava mais nem 10% do que ele estava ganhando com seus novos investimentos.


Vinte e cinco anos depois Raimundo encontrou o tesouro que logo o fez desistir de pescar.






Sem querer muito perguntar de quem era aquele metal tão precioso Raimundo mais que depressa abandonou a idéia de pescar e tocou para sua casa onde sua mulher já estava muito preocupada com ele, afinal, o seu marido já estava fora há mais de dois dias.


A viagem até chegar a casa foi a mais demorada de sua vida, mesmo descendo o rio, a pressa de encontrar sua Messina e dar a boa nova era demais. Pela cabeça de Raimundo vários pensamentos passavam. A vida no interior era muito difícil, o transporte escolar era péssimo, sempre atrasava, doía na alma do pescador saber que seus filhos não poderiam avançar na vida por conta do atraso em que viviam num local sem energia elétrica, sem expectativas de futuro.


Quando ia a Humaitá para vender seu pescado, para não precisar ir de casa em casa, preferia vender ali mesmo na beira do rio e deixava tudo nas mãos dos atravessadores que sempre desvalorizavam o produto colocando defeitos para comprar mais barato. Indo ao Mercado Municipal, via que o peixe que vendia a 2,00 o quilo recebia 3 vezes mais do que o valor oferecido. Chega!!! De repente Raimundo resolveu apagar esses pensamentos ruins de sua cabeça, agora era homem rico e tudo haveria de mudar em sua vida.


Após duas horas de descida no rio que não estava cheio, Raimundo chegou a sua casa, com um grande sorriso no olhar. Sua esposa, surpresa por não ver nenhum peixe para o almoço perguntou:


- Homem, onde tu tava, já morria de preocupação.


- Fui socorrer um rapaz que foi picado por surucucu


- Tu sempre nessa onda de ajudar os outros, e quem te ajuda?


- Nosso Senhor Jesus Cristo!


Raimundo faz o sinal da cruz nessa hora.


- Mulher, a partir de hoje nossa vida vai mudar!


- Isso parece conversa do pastor Silvino.


- Não dessa vez é pra valer, olha aqui!


Messina não acreditava no que via. Na região todos sabiam, e muito bem o que era ouro.


- De onde é isso filho de Deus!


- Não sei. Só sei que estava enterrada, e eu não saí mata adentro perguntando de quem era. Como estão as crianças?


- Tudo bem


- Tudo


- Foram pra escola


- Não


- Por quê?


- Seu Nezinho do Barco não veio


- De novo, agora isso ta virando costume.


- Ele diz que não recebeu o dinheiro da Prefeitura.


- Sei não, dizem que tão pagando tudo em dia... Mas deixa pra lá, vou a Humaitá vender um pouco de ouro só pra gente sair desse lugar.


Raimundo se cansou de tanto tentar naquele lugar esquecido pelos homens e que nada ia pra frente. Faltava no local exemplos de gente que crescia na vida, todos que ele conhecia viviam da mesma forma que ele, nunca atingiam nada na vida. Com ele não seria assim, seria homem respeitado pela força do dinheiro.


Marleide, filha mais velha do casal, com 14 anos, perguntou à sua mãe qual o motivo de tanta felicidade. Depois de receber a nova a menina ficou assustada, pois ela era a única da casa que ia a Igreja Evangélica, e, uma semana antes uma irmã, já de idade disse que Deus iria mudar a vida de sua família por aqueles dias, que eles mudariam para Humaitá e que o que viesse às mãos de seus pais ela deveria administrar.


Quando a menina falou o ocorrido, como não era seu costume sair com mentiras, todos se arrepiaram sentindo uma grande responsabilidade.


Raimundo que a princípio iria sozinho a Humaitá, resolveu levar sua filha deixando sua esposa com seus outros dois filhos, Pedro Henrique e João Guilherme. Como não quisesse revelar a ninguém o que lhe acontecera, tomou gasolina emprestada e tocou para Humaitá.


Seis horas depois eles aportavam na beira do rio. Deixaram a canoa amarrada com um cadeado e foram para o centro da cidade para vender o metal valioso. Como chegaram tarde, Marleide e seu pai pousaram num hotel para no outro dia bem cedo irem vender o ouro. A fervorosa cristã então, querendo fazer a coisa certa, foi à Igreja para orar e pedir a Deus sabedoria para fazer tudo certo em relação à benção recebida por ela e sua casa.


Ao chegar ao hotel, a filha obediente e dedicada disse a seu pai que no dia seguinte deveriam consultar os preços do ouro antes de vender, sempre procurando o melhor valor de mercado. Quando falou isto a seu pai ele perguntou:


_ Minha filha, como você aprendeu tudo isso?


- É simples, enquanto todo mundo bagunçava na escola do outro lado do rio, eu lia, enquanto as meninas embuchavam de um e de outro ainda quase crianças, eu procurei ter mais conhecimento. É isso meu pai, é Deus!






Procurando o preço do ouro na cidade descobriram que o valor pago era muito pequeno em relação ao praticado em Porto Velho e depois de pedir o valor da passagem emprestado para si e sua filha, Raimundo seguiu até a capital de Rondônia para começar seu sonho dourado. Ainda no ônibus contemplou o trabalho feito pelo governo federal e comentou:


- A coisa parece que vai pra frente nessa cidade, não é filha.


- Eu torço por isso pai, mas o povo ainda gosta de explorar seus irmãos. Sabe por que não pagaram mais dinheiro pelo nosso ouro?


- Não.


- Por que nós somos pescadores, e eles sabem disso, por isso nos desvalorizaram. Quando fomos vender nosso ouro ele deu aquele valor pequeno. Fiquei por ali disfarçadamente. Chegou um grandão, um desses de grana e o homem ofereceu muito mais por grama do que pra nós.


- Sabe que eu nem notei?


- É mais eu vi... E quer saber, foi até melhor pra nós. Sabe quanto tempo não vamos a Porto Velho?


- Nem me lembro.


- Cinco anos.


Neste momento da conversa já estavam se aproximando do KM 100. O ônibus seguia acelerado. O ar-condicionado tornava tudo melhor. Raimundo e sua filha lembravam os tempos que iam de pé duro e tinham a te que empurrar o veículo para que ele pegasse.


Após duas horas e meia os dois chegavam em Porto Velho, procuraram um hotel e depois foram ao local indicado para vender seu precioso metal.


Raimundo evitou falar nas lojas de vendas de ouro e sua filha conseguiu um preço muito bom. Eles levaram 300 gramas e na venda conseguiram 19.000 Reais, fizeram de tudo para não chamarem a atenção e voltaram para o hotel no centro da cidade.


Ao chegarem ao hotel, ninguém sequer percebeu que alguém por ali tivesse essa quantidade em dinheiro e principalmente em espécie. Marleide insistiu com seu pai para que eles andassem de forma a não chamar atenção de jeito nenhum. Raimundo lembro de todo o sogrimento vendendo peixe barato em Humaitá sendo explorado por sua própria gente e não conteve as lágrimas. Ele sabia que em casa lhe esperavam mais de 800 gramas de ouro e isso mudaria radicalmente sua vida.


Marleide falou para seu pão que aquele era um momento inesquecível e que eles deveria agradecer a Deus por isso. Assim, por volta das 16:h00 os dois dobraram os joelhos em agradecimento ao bom Deus pelo grande êxito alcançado.


- Meu bom e grande pai, agradeço pelo bem alcançado, quero pedir que o Senhor abençoe aquela pessoa que deixou este ouro enterrado que está mudando nossa vida...


Marleide prosseguiu assim por uns bons quarenta minutos. Lembrou-se de todos os que


Ajudaram e os que prejudicaram a vida de sua família.


O quarto que presenciou essa mudança era verde claro, tinha ar condicionado central, a TV já era de LCD, as camas eram separadas, de solteiro. Os dois passaram apenas dois dias no local.


A filha de Raimundo fez questão de trocar duas notas de cem no banco próximo a rodoviária, ela separou uma nota de cinqüenta e o resto de dez e vinte, assim ficaria fácil pagar o ônibus ou taxi pra Humaitá , a ultima opção foi a escolhida, e, mais uma vez a menina filha do pescador foi sábia, pois ao Invés de pagar um taxi sozinha, foi numa lotação, e ainda chorou para que o motorista fizesse por 40 Reais cada um.


No caminho, pai e filha oscilavam entre um sorriso abundante ou a sisudez marcante para não ser percebido como um sortudo que teria agora uns 100mil Reais por baixo.


A viagem até Humaitá foi rápida, não demorou nem duas horas, pois a estrada está muito boa.


Marleide sempre demonstrou interesse de morar em Humaitá, porém não queria ser um peso a ninguém. As pessoas não gostam de ajudar as outras e parente são como dentes, quanto mais afastados menos juntam sujeira.


Raimundo chegou a cidade com um grande peso a menos em suas costas. Deus houvera sido bom com ele, e ele não iria decepcioná-lo






Quando Raimundo chegou a Humaitá sua esposa e seu dois filhos estavam na casa de Manoel Castanho, grande amigo de muitas datas. Os dois filhos Pedro Henrique e João Guilherme vieram também e tudo indicava que ninguém queria mais voltar a vida antiga de labutar com mandioca e vender peixe na cidade, pra atravessador que vivia das canseiras dos outros.


Para não perturbar ninguém Messina combinou em alugar uma casa para os quatro morarem, pelo menos por um mês, depois se as coisas se ajeitassem comprariam um terreno e construiriam uma casa decente.


Já no outro dia conseguiram alugar uma casa por 400 Reais por mês, era bem localizada no bairro do São José e tinha dois quartos, sala cozinha e banheiro dentro de casa, coisa que no campo é um verdadeiro luxo. Para fazer as necessidades, a maioria dos que vivem no ambiente rural usam um lugar separado, as vezes é cercado de palha de coqueiro, com um grande buraco no meio com madeiras furadas no meio para fazer as necessidades. O cheiro é tão forte que quase ninguém que saber de urinar por ali. Não é difícil surpreender uma menina fazendo suas necessidades no mato, principalmente urinando.


O mundo abandonado por Raimundo e sua família por conta de uma sorte fora do comum ainda será o único conhecido por milhares de pessoas, que não terão o fator ouro para mudar. Farinha torrando, cheiro e fumaça. Aroma de peixe no braseiro, gente sorrindo, crianças aos montes, mulheres gestantes, outras amamentando, algumas abandonadas por seus maridos que foram trabalhar na hidrelétrica em Porto Velho.


Marleide tomava conta de toda sua família e parecia preparada desde o nascimento para admnistrar grandes quantidades de dinheiro, em menos de um ano já tinham comprado casa, mobília e até mesmo um carro zero Km. Os meninos já estavam em escolas próximas e eram bons e assíduos alunos. Raimundo já tinha comércio na cidade e crescia vendendo açaí. Como era do campo, Raimundo sabia como comprar um bom açaí e vendia a maior parte de sua produção para Porto Velho e já fazia o mesmo dinheiro que serviu como mola propulsora ao seu negócio.


Messina e sua família agora frenquentam uma igreja evangélica perto de sua casa, antes, quando não tinha nada, muitas vezes era medidad de cima a baixo por não ter dinheiro. Um dia, já falando meio diferente, com roupa nova e bons sapatos ela resolveu ir numa Igreja evangélica que lhe tratara mal por não possuir muitos recursos outrora, logo ao chegar foi muito bem tratada, o pastor saiu de onde estava para vir pessoalmente saldar a nova chegada a Casa do Senhor, quando perguntou de quem se tratara ela loga respondeu;


- Não sou gente nova, sou alguém bem conhecida do Senhor, estive aqui, ou melhor, a outra eu, se posso assim falar.


- Não me lembro de você minha irmã.


- É o senhor nem olhou pro meu rosto, nem se importou com a minha dor.


- Como, se nunca lhe vi.


- Viu sim, eu sou a Messina, mulher do Raimundo pescador.


- Ah! Bom, agora sim como está minha irmã?


- Minha irmã?


- Olha eu sei que embora o senhor não seja um homem de bem, eu vim aqui para buscar a Deus com meus outros irmãos daqui.


- Mas porque minha irmã?


- Porque uma ovelha sarnenta e pobre não serve pra gente como o senhor.


Messina fez tudo isso sem chamar a atenção, ela não queria deixar uma má impressão sobre as outras pessoas, o que acabara de acontecer também se repetiu no hospital com um médico que não lhe deu a devida atenção, também se deu o mesmo no supermercado, agora ela não era rica, mas também não era mais aquela pobretona que ninguém valorizava, agora infelizmente, sua moral era estabelecida pelo dinheiro que lhe veio à mão.


Raimundo depois de todo o seu sucesso vindo por uma fonte desconhecida, resolveu dar um pulo onde sua vida foi forjada, ele acabara de comprar um pequeno barco de alumínio movido por um motor de popa Yamaha. Numa velocidade alta para quem só andava de rabeta, Raimundo agora está prestes a chegar a sua comunidade, olha e vê o local em que achara a garrafa milagrosa e pensou... Parece loucura, mas aconteceu.


O ex-pescador desceu no lugar onde morou, viu ao longe as pessoas que por ali labutavam com paneiros de macaxeira prontos para ir ao forno. Parou, olhou e sentiu que as pessoas haviam se entregado á uma vida circulante de falta de perspectivas.


Raimundo, sem ninguém perceber falou sozinho:


- Se Deus na tivesse feito isso tudo comigo, onde eu estaria agora?

História escrita por Haroldo Ribeiro
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