seus alunos acabavam por sucumbir
diante de suas explicações, ele era amante de Charles Darwin e de tudo o que
ele pesquisou e divulgou ao mundo de sua época vindo a expandir os valores da
ciência em detrimento de uma religião que a seu ver só trouxe atraso a raça
humana. Em suas aulas ele citava a origem de várias guerras, principalmente no
Oriente Médio, todas causadas por celeumas religiosas, e uma idéia de um Deus
pessoal para ele era pura balela.
Depois
da aula na faculdade ele seguia para sua casa todos os dias, do campus até seu
lar eram exatos 45 minutos numa estrada quase sempre sem movimento, quando
faltavam apenas mais cinco quilômetros para chegar ao seu aconchego, Paulo
atravessava uma linha de trem que raramente tinha movimento, todas as
composições geralmente trafegavam pela noite ou madrugada. Esta rotina era
praticada todos os dias úteis quase sempre às 12h45min quando terminava sua
ultima aula.
Paulo
era apaixonado pelo que fazia, quando pequeno observava por horas a fio o
movimento dos animais, a velocidade dos rios, o revoar de insetos e aves,
pensava em descobrir-lhes os segredos, em desvendar cada um de seus muitos
mistérios, e assim foi passando pela vida com boas notas e avanços rápidos,
depois de terminar o ensino médio passou no vestibular para entrar na faculdade
do estado, gratuita, longe 200 quilômetros de sua casa e teve que aprender a se
virar, pois seus pais não tinham grandes recursos e havia mais quatro irmãos
para alimentar, ele era o mais velho.
Próximo
do fim do curso, uma nova aluna, Valéria Bentes Villar, começou a estudar no
campus, ela era tudo o que o grande Paulo queria, não muito chamativa,
estudiosa e não gostava de muita bagunça ou bebidas. Quando os dois se formaram
não havia mais nenhuma opção lógica do
que o casamento, Paulo pensava no casamento como algo falido, mas Valéria
queria dar este gosto aos pais, muito católicos, que queriam ver sua filha
entrando de branco ao som da marcha nupcial.
No
tempo em que estudou na universidade, Paulo foi confrontado com várias teorias.
Nas muitas aulas em que participou em nenhuma delas Deus foi sequer cogitado
como existente, todos a uma só voz excluíam a palavra Deus de suas aulas, vez
por outra algum aluno muito católico ensaiava falar alguma coisa, mas os
bombardeios eram tão grandes que quase sempre eles saiam envergonhados, alguns
até mesmo chegavam a evitar o assunto e comiam tudo como era passado sem contestar.
Para
o aluno Becker, não havia o que brigar, ele não gostava de catolicismo e muito
menos dos chamados crentes, pois estes nem escutava o que se dizia. Numa outra
sala, um rapaz de uma igreja a Assembléia de Deus, desafiou um professor a
provar o que falava, ele fazia história dentro e fora da aula, todos evitavam
falar com ele, pois ele ousava falar de Deus, e ainda dizia tudo como se este
Deus existisse de verdade.
Após
casado Becker começou seu mestrado, ele passou dois anos no até então maior
projeto de sua vida e como tudo na vida do homem pacato fora das salas de aula àquela
etapa também passou de forma rápida e sem nenhum tipo de embaraço. O emprego
numa escola pública da periferia já estava garantido desde a graduação, agora
com o mestrado na mão ele voaria em céus mais altos e após um concurso
conseguiu uma vaga como professor assistente na Universidade Federal. O salário
aumentou, o tempo diminuiu, e sua mulher, que ainda estava em escola pública
dando aula de português também partiu para o mestrado, mas no meio do caminho
um rostinho lindo de menina surgiu adiando por alguns anos a tão sonhada
ascensão profissional. Becker virou um pai babão e não largava de Pâmela, sua
primeira filha.
A
linha, a linha do trem, freqüentemente sem movimento, o som do carro alto, um
defeito na cancela. O mundo dos homens é cheio de defeito, talvez por isto a
teoria Darwiniana faça tanto sucesso, vir de um Deus perfeito e ser tão
imperfeito melhor assemelhá-lo a um macaco, mais fácil explicar suas mazelas,
dizer que a parceria feita com o Diabo é que deu em tudo o que deu, não é tão
palatável do que provar com todos os recursos retóricos de que o homem é fruto
de evolução, pura e simples evolução.
O
som alto, raro, geralmente Becker ia em silêncio para seu lar, mas naquele dia
ele queria boa música, Elis Regina. Ele aproximou-se da linha, todo o homem tem
sua linha divisória, algo que aconteceu em sua vida, que o deixa mais cônscio,
mais rebelde, mais antenado com o mundo, para Becker este dia chegou com o seu
doutorado, num país como o Brasil, ser um doutor de verdade é algo muito bom,
embora o salário seja ruim, talvez um dos piores do mundo, a vantagem de ser
doutor por aqui é que na grande maioria das vezes quando ele fala o resto tem
que se calar. Os inúmeros textos feitos e jogados na lata do lixo, as várias
linhas de defesa e os questionamentos que viriam, ou não, tudo isto faz com que
um doutor tenha bala na agulha para vencer a maioria dos obstáculos.
O
dia estava ensolarado, típico de verão, algumas nuvens surgiam no céu anunciando
que uma chuva breve haveria de vir com o ímpeto de enxurrada, a estrada
continha pastagens misturada com matas ralas, mas vibrantes de vida, tratores
já começavam a colheita e Becker escutava Elis com vários planos na mente.
Travessia, cancela, trem barulho, estilhaços, sangue, vida pulsante, pulsação
baixa, cabeça inclinada, cinto preso, trem parando, gritos... Morte?
- É o professor
- Meu Deus, ele tá vivo?
A conversa entre Clara e Mirla, alunas
do grande mestre que vinham alguns metros atrás em uma motocicleta despertou
mais motoristas que iam parando. O maquinista, José Salustiano disse:
- A cancela não baixou, mas o sinal
foi dado, reduzi a velocidade, buzinei, mas acho que ele estava noutro mundo!
Outro mundo! Existe? Becker estava
preso as ferragens, mas via o desespero de quem tentava salvá-lo.
- Ei pessoal, eu estou aqui!
Ninguém o via, ninguém o ouvia, ele
começou a ficar preocupado, alguns segundos se passaram e ele viu descer do céu
dois elementos de asas negras e olhar intimidador, não eram coisa boa, seriam
demônios? Sem uma palavra eles levaram o nobre doutor a um lugar bem longe, mas
a velocidade que empreendiam era enorme, a luz perdia para eles. Num
determinado local os dois pararam e deixaram o homem num grande portal, ali um
homem de sorriso largo e semblante que misturava gravidade e amor chamava-o:
- Paulo Becker, brasileiro, 37 anos
casado e pai de uma filha, professor e doutor no mundo.
O professor ficou feliz ao serem lidas
suas atribuições na vida terrestre, esperava ser recepcionado naquele lugar
lindo, de ar puro e águas cristalinas. Dentro do portal pessoas andavam
rapidamente, havia um grande trabalho sendo feito, mas ele sequer imaginava o
que poderia ser.
Aquele homem alto e lindo revirava um
grande livro, a procura do nome de Becker, mas não encontrou nada, depois da
procura deu a sentença:
-Podem levá-lo!
- Não meu senhor, procure direito, eu
fui um bom homem na terra, paguei os meus impostos, não deixei nada faltar a
minha família, servi ao meu país com honra e dignidade!
- Sinto muito senhor, por aqui as
obras humanas nada valem se não forem acompanhadas de arrependimento pelos
pecados e conversão sincera a Jesus Cristo.
- Neste instante outro homem foi
levado a presença do anjo do portal, era um pastor evangélico, ele sorria,
estava certo de que entraria naquele lugar de glória, mas seu nome também não
estava no livro, ele cometera adultério, por anos, sua secretária era sua
amante, fez muitas obras sociais, ajudou muitos drogados, construiu creches e
levantou lares para idosos, mas foi infiel para sua esposa, não se arrependeu
de seus pecados e não confessou sua falha, mesmo no leito de dor. Foi retirado
do lar celeste e viajou para as profundezas juntos com o Dr. Becker.
Náuseas
misturadas com profundas angústias tomavam conta do coração do Doutor, ele
sentia o mau cheiro do local, vultos estavam por toda a parte, ele chegou num
portal enorme, do outro lado seres não amistosos o esperavam, ali não se
cobravam nomes, e registros, todos os que ali estavam tinham uma coisa em comum,
não fizeram nada, nada era a senha para o inferno. Muitos viram crianças sendo
estupradas e nada fizeram. Juízes não fizeram nada ao ver injustiças sendo
cometidas, homens nada fizeram para
tentar salvar seus casamentos e foram infiéis às suas esposas, mas o que era um
fator preponderante era a postura sobre o nome de Jesus, muitos adiaram suas
decisões e não procuraram conhecer o Evangelho e foi este conhecimento que
faltou a Becker.
Em
toda sua vida ele leu vários compêndios científicos, estudou continuamente
inúmeros tratados, ensaios, e volumes sem fim de teorias, mas nenhum destes
seus muitos dotes científicos podiam livrá-lo de seu maior pesadelo, o inferno.
Num
determinado momento, o pânico, coisa que não eram lá sua praia começou a
estabelecer-se de forma definitiva. Ao olhar para uma determinada direção ele
viu uma grande quantidade de pessoas subindo uma montanha íngreme e muito
trabalhosa, alguns eram atingidos por seres alados, que davam risadas grotescas
e derrubavam a maioria deles, outros conseguiam chegar mais longe, mas nenhum
atingia o topo, quando estavam próximos eram derrubados sem dó nem piedade.
Uma
mulher tinha um olho faltando e do buraco onde deveria estar o olho saiam
alguns vermes cinzas, ela os atirava para longe, mas eles voltavam subindo por
suas pernas, ela queixava-se dos incômodos que eles lhe causavam, mas nada
podia contra as forças dos espíritos que habitavam o submundo onde ela estava.
Becker
atravessou o portal, lembrou de sua mulher e filha, não queria que elas fossem
para um local como aquele, ali estavam milhares de pessoas, gente famosa, e
muita gente anônima, todos tinham algo em comum, todos gostavam de pecar, de
burlar, alguns com pequenos e ínfimos delitos, um rapaz, Sony Parlingo do Texas
foi a Las Vegas e ganhou alguns milhares de dólares, dentro do cassino ele
estava sendo vigiado por assaltantes, quando foi abordado do lado de fora os
marginais o assaltaram e por um movimento brusco levou um tiro na cabeça e
morreu, enquanto estava jogando sua esposa passava mal em casa com fortes dores
abdominais, o celular tocou e ele não atendeu, nunca mais ele viu a sua esposa
e nem o brilho da vida.
Um
falso religioso que ganhou muito dinheiro enganando gente humilde estava por lá
também, ele era tão convincente com sua doutrina que acabou acreditando na
própria, ele dizia-se Cristo, achava que podia salvar as pessoas, dentro dos
portais do inferno ele fica andando de um lado para o outro com os braços
abertos dizendo que é o Cristo e que pode tirar as pessoas de lá, mas tem
bichos que saem da língua e exala um cheiro terrível, alguns falam:
- Você também é um de nós animal
asqueroso!
Do outro lado um berro de terror:
- Eu estou aqui por causa de você,
infame! Pegue ele!
Toda hora havia uma confusão, os
demônios, aos milhões davam risadas e divertiam-se com toda a miséria.
Becker pensava:
O que estou fazendo neste lugar, eu
que sempre fui um homem inteligente, esforçado, por quê?
No
mundo dos vivos há milhares de quilômetros dali, uma jovem Maria Damasceno,
parava seu carro na pista próximo de onde acabava de haver o acidente e olhou a
cena, a pressa já não era tanta, o professor Doutor já estava morto, eles
esperavam o carro do IML, mas do outro lado houve um grande acidente uma
construção desabara e havia muitos corpos, a polícia estava lá, por isso
ninguém havia chegado para resolver o caso de Becker.
A
mulher de Becker chegou e o desespero estava estampado em sua face:
Meu
amor, amanhã nossa filha faz dois anos. Ela chorava sem que alguma consolação
surtisse efeito em sua alma.
Maria
olhava para aquele homem morto e pensava: Como tudo isto pode acontecer... A
morte só quer uma desculpa. Neste momento já havia se passado mais de uma hora
a mulher de Becker clamava por Maria e todos os santos, mas nada adiantava naquela
hora, ele se fora, ninguém sequer imaginava onde estava aquele homem
trabalhador naquele momento, mas ele estava sob o poderio de vários seres
infernais que davam risadas, falavam todos os idiomas imagináveis e tinham uma
inteligência fora do comum, outro dado notado é que os entes infernais sabiam
de toda a vida das pessoas que chegavam ao inferno, dia de nascimento, dia de
batismo, dia de casamento, perda da virgindade, uso de maconha, relações
homossexuais e heterossexuais também, palavrões, poesias tudo o que a pessoas
fez na vida estava nas mentes daqueles infelizes demônios.
Becker
começou a sentir alguma coisa subindo dentro de seu corpo, um verme branco e
viscoso saiu de seu olho direito, outros começaram a brotar de todas as partes
de seu corpo , o desespero do doutor brotou em forma de grito, seu grito
juntou-se a outros milhões de gritos naquele local de proporções continentais,
a escuridão era terrível, mas as chamas levantavam uma luz que mostrava a
dimensão do local onde todos estavam. Gritos de misericórdia não surtiam
efeito, gritos nada podiam mudar naquele local e uma palavra era a mais
assustadora de todas E.T.E.R.N.I.D.A.D.E!
Maria
Damasceno era uma cristã que enobrecia o nome que levava, não contendia com
ninguém, mas nunca negou ser seguidora de Cristo, não gostava de se aparecer,
mas quando mexiam com sua fé era hora de levantar e defender o seu Cristo, ela
aproximou-se de Valéria e disse:
-
Dona Valéria, a senhora não me conhece, eu sou aluna do campus e conheço seu
marido, o Doutor Becker, eu creio em Jesus Cristo e peço que a senhora me dê um
pouco de sua atenção, onde o doutor está agora nenhum de nós pode fazer nada,
mas eu sei um que pode fazer alguma coisa por ele!
-
Quem, pelo amor de Deus... Quem?!.
-
Minha filha faz aniversaria amanhã, e não vai ter o pai!
Ela chorou, quase gritando.
-
Calma minha querida, existe uma solução!
-
Qual? Diga qual?
-
Na Bíblia Sagrada está escrito Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida.
Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá conforme está em João 11
e 25.
-
Mas ele não crê em Deus?
-
Eu sei, mas existe outro texto que diz Curai
os enfermos, limpai os leprosos, ressucitai os mortos, expulsai os demônios: de
graça recebestes, de graça dai.” Conforme Mateus capítulo 10 versículo 09.
- Mas você tem essa fé?
- Claro que tenho! Ele vai voltar, não
importa onde esteja Jesus vai trazê-lo de volta.
O local está cheio de curiosos, Maria
Damasceno, era membro da Assembléia de Deus, já ouvira falar diversas vezes na
cura de enfermos e agora iria falar a um defunto, ela pediu a Valéria que
exigisse a saída das pessoas de perto do marido morto. Mais do que depressa a
mulher do doutor fez a solicitação e foi atendida.
A jovem cristã olhou para o céu e
disse:
- Deus tu és o dono da vida e este
homem não a tem mais, traze-o de volta. Em nome de Jesus!
Homem, eu te digo, volte ao mundo dos
vivos em nome de Jesus!!!
As pessoas a pedido da viúva estavam
afastadas, não sabiam ao certo o que acontecia, um barulho de sirene já podia
ser ouvido ao longe, o carro do resgate finalmente estava chegando. No lugar em
que estava Becker já sentia um imenso pavor tomando conta de sua alma ele
tentou demonstrar firmeza, mas no local para onde ele fora isto nada
significava, o pavor, o medo, o mau cheiro, o ódio, os vermes, muitos vermes
saturavam o ambiente de forma irremediável, uma tremenda escuridão só podia ser
cortada com um fogo que envolvia as almas humanas, chicotes esticavam e tiniam
no ar, após seu estampido um gemido de dor seguia, o coro de seres, ex-seres
humanos que ali estavam era só ais, uis, misericórdia e dor, incessante dor.
Naquele dia, num olhar humano, pois ali
não existe escala de tempo, um som estridente rompeu a rotina de terror, uma
luz cortou o ambiente, no vácuo que surgiu os demônios tremiam de medo,
afastavam-se, acotovelavam-se e não acreditavam no que viam, todos ficaram com
a cabeça baixa, uma voz estridente grave e poderosa falou e foi obedecida:
- Paulo Becker!
- Sim, meu Senhor, estou aqui! Por
favor... Estou aqui!
- Você não acreditava em mim, seu
destino estava selado, só posso defender àqueles que ouvem a minha voz enquanto
vivos e me obedecem. Tu vais sair deste lugar não por teus méritos, mas pelo
pedido de uma serva minha. Concedo-te mais um tempo de vida, não rejeite mais
esta chance, volte ao mundo dos vivos e proclame o meu nome, pois em breve
visitarei a minha igreja e levá-la-ei para habitar comigo para sempre.
Não houve tempo de agradecimentos, ao
lado de Becker, um francês, Dinod Fortoun ia pedir misericórdia, mas não teve
tempo de falar nada, ele viveu em Toulouse no século XIX e era estuprador e
assassino, já estava no inferno há mais de 200 anos.
Becker saiu do inferno, o cheiro de
morte foi ficando para trás, ele subiu de seu cativeiro mais rápido que a luz,
o próprio Jesus o trouxe de volta. Quando chegou ao local do acidente ele viu
seu corpo parado, pessoas afastadas, sua esposa e uma aluna que lembrava
vagamente de um outro curso no campus, ele entrou de volta ao seu velho e bom
corpo pelo nariz.
- Ele está se mexendo!
- Ele ... Meu Deus!
As pessoas não podiam acreditar, já
havia se passado pelo menos uma hora desde o acidente com o trem. Como aquele
homem poderia ter ficado tanto tempo sem respiração?
Becker pegou na mão de sua esposa e
falava sem parar:
- Amor, ele existe, ele existe, ele
existe!
- Ele quem, Paulo ... Ele quem?
- Jesus, ele existe... Ele existe! Ele
me salvou do inferno.
A ambulância chegou, os paramédicos
estabilizaram o acidentado, imobilizaram seu corpo, colocaram-no no veiculo e o
levaram para o Hospital Santa Genoveva. Após os primeiros exames o
inacreditável foi revelado:
- Não é possível!
- O que doutor?
- Este homem não tem como estar vivo,
vejo uma fratura na segunda vértebra do pescoço, e ele não está morto, não está
paraplégico não tem nenhum sinal de problema algum, nunca vi tal coisa em toda
minha vida de residência médica, não sei explicar tal coisa.
Desconfiado de que o aparelho pudesse
ter dado um diagnóstico errado mandou repetir os exames. Tudo Confirmou o
impossível, o Dr. Agora está mais vivo do que nunca e perfeitamente restaurado
a vértebra que havia se rompido, no exame de confirmação solidificou-se e
estava totalmente renovada.
Do lado de fora da sala de exames
Valéria Bentes e sua mais nova amiga cristã estavam mais que alegres pelo
grande milagre que assistiram naquele dia, Maria Damasceno pediu que ela e seu
esposo visitassem sua igreja que ficava na periferia, como forma de agradecer
ao bom Deus pelo milagre operado. Valéria disse achar difícil, pois sabia que
seu esposo detestava todo o tipo de crentes, que eram chamados de fanáticos por
ele, quase todos os dias, mas prometeu que ela iria, nem que fosse sozinha.
Após a bateria de exames e comprovado o
melhor dos diagnósticos, Becker e sua mulher reencontraram-se e ele pode dar
mais detalhes do que lhe acontecera, após ouvir tudo ela atônica perguntou:
- Então você não é mais ateu?
- Como posso descrer de algo como o que
passei, foi real demais para eu negar tudo, vou rever todos os meus conceitos,
creio na existência de Jesus Cristo... Foi ele quem me salvou - Neste momento
uma lágrima escorreu de seus olhos...
- Eu estava totalmente errado, eu iria
ficar naquele lugar para sempre, não tinha mais esperança, até que aquela voz
de poder entrou naquele lugar escuro e fétido e me resgatou, não há dinheiro no
mundo que eu possa pagar por isso.
Becker ficou no hospital durante todo
aquele dia e foi liberado no dia seguinte. Já em sua casa palmas podiam ser
ouvidas em frente ao portão, o dia estava ensolarado, sem nenhuma nuvem no céu,
o gramada parecia não sentir a falta de água, pois era regado diariamente, um
cachorro latia no quintal ao lado, o muro era baixo, mas o animal não faziam
medo algum, vizinho à família Becker morava um funcionário público de carreira,
Normando Teixeira era engenheiro da companhia de Saneamento, as famílias Becker
e Teixeira davam-se muito bem. Normando, que era freqüentador da Igreja Batista
nunca chamou seu amigo para uma reunião em sua igreja, pois sabia de sua fama
de ateu. O tempo agora diria que tudo mudou nos muros da casa vizinha.
Valéria saiu para atender e viu um
homem simples, mas que não lhe era estranho:
- Como está o doutor?
- Bem, tudo acabou bem graças a Deus.
- Eu sou o José Salustiano, o
maquinista. Tive a sensação de que seu marido estava morto, mas graças a Deus
ele está vivo, não sei como tudo aconteceu, mas estou aliviado.
Neste momento da conversa, Valéria
convidou o homem para entrar e ele aceitou. Dentro de casa ele fez questão de
cumprimentar o doutor e também abraçá-lo:
_ Nossas vidas se encontraram e era
para eu estar morto agora, mas sei que Deus me deu uma nova chance, e esta não
desperdiçarei.
- Olha doutor, eu fiquei pensando em
tudo o que aconteceu, depois do acidente e com o recolhimento do carro tive a
comprovação de que não havia jeito do senhor ter escapado, sei que foi Deus
quem o salvou daquele momento.
- Eu tenho certeza absoluta, quando
retornei daquele lugar maldito tinha o cheiro de carne queimada no meu nariz,
aquele lugar era o mais terrível em que eu já estive.
-“Me falaram” que o senhor teve uma
experiência do outro lado.
- Conheci o que é o inferno, se aquela
menina não tivesse orado por mim ainda estaria naquele lugar de tormenta e para
sempre, hoje à noite eu e minha esposa iremos à igreja daquela jovem abençoada
que orou a Deus por mim.
Neste momento Pâmela entrou na sala em
que estava e foi logo procurando o colo do pai que a abraçou com força. A
estante que tomava conta de toda uma parede agora tinha uma Bíblia num lugar de
destaque, Becker começou a ler suas páginas e já havia devorado mais de
quarenta capítulos. O visitante despediu-se feliz e foi para seu dia de
descanso, depois do acidente ele recebera três dias de folga para
restabelecer-se do trauma
À noite Becker e sua esposa tomaram um
taxi e seguiram para a igreja de Maria Damasceno, ela ficava na periferia da
cidade.
Ele não podia acreditar um ateu, mais
que confesso defensor ferrenho das teses de Darwin, seguindo num taxi para uma
igreja evangélica da periferia, mas agora ele contava com uma convicção. Não
foi o céu quem o convenceu de tudo, foi o próprio inferno, ele tinha certeza de
que o oposto existia, mas o lado obscuro que ele visitara, fez-lhe perceber a
realidade do outro lado, o da vida. Ele queria se apressar para chegar ao
destino que iria mudar sua vida para sempre. No meio do caminho muitas
lembranças de tudo o que aconteceu em sua vida, Pâmela, sua filha estava mais
feliz do que de costume, havia paz dentro de todos os corações que seguiam para
a igreja.
A paisagem ia passando rápida, não
havia muitos carros na rua e uma chuva bem fina caia trazendo uma brisa incomum
para aquela época. Valéria queria conversar, mas não conseguia acreditar, para
ela, mesmo sendo uma católica, aquilo seria algo de inacreditável, seu marido
quando zapeava o controle viajando pelos canais de TV falava com um tom de
indignação quando via algum tele-evangelista falando sobre a fé evangélica, e
quando este ousava pedir algum tipo de oferta aí a casa desabava, agora este
mesmo homem estava indo para uma dessas igrejas “odiosas”, como ele falava de
boca cheia, quem diria! Pensava com seus botões.
Becker agora pensava no que iria dizer
aos seus alunos, muitos o tinham como ídolo, alguns massacrados por suas
convicções e seu afiado linguajar acadêmico acabaram deixando suas convicções e
abandonando seus credos para mergulhar numa razão que aparentava os homens com
os macacos, e que, portanto deixava a “teoria” da existência de um Deus, num
canto escondido e empoeirado da história. Mas algo o movia sem medo nenhum de
qualquer tipo de retaliação ou sentimento avesso, ele não queria voltar para
aquele lugar escuro e fétido cheio de horrores que fazem os piores pesadelos serem
contos de carochinha.
A família chegou, Becker tomou o
telefone do taxista, ele queria voltar com ele e entrou na igreja pequena que
estava com poucos membros ainda, ele se sentou e viu alguns ajoelhados e
falando sem palavras repetitivas uma oração que mais parecia um diálogo de um
filho com o pai, um pai presente e compreensivo. Ele fez o que os outros
estavam fazendo encostou no banco tendo Pâmela entre ele e sua esposa e começou
a falar com Deus:
Eu te odiei, sem te conhecer, falei mal
de ti, sem andar contigo, vi os terrores da morte e me assustei, fui ao inferno
e não sei como consegui sair de lá, mas sei que tu existes e que tens vaga para
uma alma rabugenta e ranzinza como a minha, aceita-me quero dedicar o resto de
minha vida para falar que eu creio em ti e confio em ti, tu que agora és meu
Deus.
Neste momento da oração, Becker começou
a chorar...
Eu não iria ver mais minha Pâmela, não
voltaria aos fins de tarde para casa, não abraçaria minha esposa, não veria
minha filha crescer, Oh Deus! Como tudo é efêmero, eu não te conhecia, por isto
agia daquela forma, agora quero ser teu filho e viver para grandeza de teu nome
e reino.
Os membros ouviram uma rápida oração ao
microfone e se levantaram para começarem o culto. A palavra lida foi em Atos
dos Apóstolos capítulo nove. A história de Paulo encantou o Dr. Becker que
respondeu ao apelo com sua esposa e sua filha. A partir daquele dia o Diabo
nunca mais veria a face daquele homem. Dr. Becker escapou do inferno!
F I
M !
História de Haroldo Ribeiro
imagem: regisaeculorumimmortali.wordpress.com
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