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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Teixeirinha

            Era um 8 de dezembro e o calor infernal, tórrido, modorrento, diriam os da época de Alencar, fazia transbordar gotas de suor pelas costas de Teixeira. Teixeirinha, como diriam os íntimos inicialmente, depois os cínicos e por fim, os mordazes, impacientava-se, esperando o fim do expediente, em que sairia da repartição e buscaria o aconchego de seus copos de cerveja, antes de chegar a casa, trôpego, esquecido de si mesmo, complacente com a Sra. Dona Jararaca, sua digníssima esposa, batizada Cleonice.
            Teixeirinha, como o apelido o supunha, era pequeno. Dir-se-ia, muito pequeno, bigode e calva amplos e andava à Carlitos, como se se apoiasse sempre numa imaginária bengala. Não só na estatura deixava de se destacar, mas também na presença. Não era homem de presença. Não era inteligente. Não era bonito. Nem sequer espirituoso. Gostava mesmo era de não ser olhado. Escondia-se em seu cubículo na repartição e, após 23 anos trabalhando no mesmo prédio, exercendo a mesma função, não era notado sequer pelo porteiro, que, não lhe lembrando o nome, cumprimentava-o pelo tradicional e inequívoco “senhor”. Mas no último ano impacientava-se, irritava-se à toa, reclamava. Queria a aposentadoria.
            Naquele fim de tarde, Teixeirinha pensava nela, sua aposentadoria, poucos anos distante. Planejava o que faria com tamanho tempo livre, atormentado pela esposa. Mas o sítio comprado a prestações, ainda não pago, nos arredores, seria seu recanto, onde a cônjuge, alérgica a insetos, já afirmara, categórica, “não pôr os pés”. Teixeirinha apelara, suplicara, mas ela estava irredutível, para sua alegria. Ele se comprazia muito com isso, na verdade ria sempre, intimamente, pela estratégia tão bem sucedida de afastar aquele trambolho, aquela ave agourenta de si.
            Teixeirinha não compreendia como a beldade e simpatia com quem se casara pudera se tornar uma aberração, um monstro, misto papagaio e cobra. Após o casamento, sua “Cleózinha” transformara-se na rabugenta Cléo, sempre reclamando, criticando, buzinando, ando, ando, ando....Teixeirinha não via a hora de livrar-se disso, mas como matá-la ia contra seus preceitos religiosos, além do medo da prisão ser muito maior que sua coragem, ele esperava o dia em que se libertaria de seu martírio. E rezava todas as noites para que Deus estivesse sempre atento cada vez que engolia em seco e ouvia, calado, o zum zum da esposa.
            Faltavam 30 minutos para o fim do expediente quando o chefe ‘novo’, Sr. Nicolau, apareceu à porta de seu cubículo. O Sr. Nicolau olhou o homem à sua frente e não se lembrava de tê-lo visto antes. Teixeirinha ergueu os olhos e o Sr. Nicolau, jovem na repartição, com fama de janota, olhou os papéis em sua mão e perguntou:
            - Sr. Teixeira?
            - Sim?
Teixeirinha inquiriu, estranhando seu próprio nome sem o diminutivo.
            - Sr. Teixeira, sinto lhe informar, mas o senhor está demitido, por incompetência.
            Incrédulo, Teixeirinha sentiu seu maxilar balançar ligeiramente, os punhos se retesaram e ele se ergueu, apoiando-se na mesa. Sentiu-se grande, como nunca, sentiu-se Teixeirão.
            - Incompetência? O senhor vem me falar em incompetência?
Sua voz se elevava e os vizinhos começaram a olhar.
            - Eu trabalho nessa repartição há 23 anos. Nunca houve uma reclamação a meu respeito e o senhor vem me falar em incompetência?
            Teixeirinha via, agora, diante de si, a figura da Sra. Jararaca, gorda como se tivesse engolido um bezerro.
            - Eu vou lhe dizer quem é incompetente aqui e esse alguém é o senhor, com esse seu penteadinho moderno, esses sapatinhos brilhantes, o senhor não passa de um almofadinha! Só está aqui por indicação do papaizinho e todos sabem disso!
            O Sr. Nicolau tentou intervir. A essa altura todos já se haviam levantado. Teixeirinha descontava sua raiva, imaginava sua esposa à frente e queria xingar, gritar, se esbaldar.
            - Sr. Teixeira, há um engano...
            - Sim, há um engano! Não, há muitos enganos! O senhor quer saber a verdade? Eu já não agüentava mais essa repartição! Já não agüentava mais essas funçõezinhas ridículas! Já não agüentava mais ser mandado por um janotinha como você!
            - Sr. Teixeira, por favor...
            - Por favor digo eu! Está me despedindo por incompetência? Pois amanhã mesmo eu arranjo um advogado e...
            - Sr. Teixeira! Cale-se! Há um engano, um terrível engano! O senhor não está mais sendo demitido por incompetência, mas por desrespeito, desacato. Eu me confundi. O senhor não é José Carlos Teixeira?
            - Não, sou João Carlos Teixeira.
            - Pois bem. Era o senhor José Carlos Teixeira a ser demitido hoje e não o senhor. Mas agora, que já ouvi todo o seu descontentamento, considere-se demitido. Tem algo mais a dizer sobre mim? Quer continuar emitindo sua opinião sobre meus sapatos, meu cabelo, meu pai?
            Teixeirão voltara a ser Teixeirinha e sentia os ombros se curvando. O Sr. Nicolau saiu, batendo os pés.
            - Passe imediatamente no departamento pessoal.
            Teixeirinha respirou fundo e começou a levantar-se. Caminhou, mais coxo do que nunca, pelo corredor, visualizando a D. Jararaca dando o bote quando ele anunciasse que estava desempregado. Imaginava-se, ainda pior, vendendo o sitiozinho, atormentado infinitamente pela Sra. Jararaca e começava, fervorosamente, a rezar, cada vez mais Teixeirinha.







Elis Regina Fernandes Alves
Professora de Língua Inglesa e literaturas de Língua Inglesa
UFAM- IEAA- Humaitá

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