Aconteceu no verão de
1998,
eu entrava no ônibus e notei um movimento suspeito, uma senhora estava
assustada e parecia suar frio, ao seu lado um elemento forte, de semblante
ameaçador colocava algo que parecia uma arma na pobre mulher, a impressão que
eu tive é que ele sabia de algum valor que ela devia ter em casa e iria
acompanhá-la até sua residência.
Procurei não olhar muito para o lado em que ela estava
sentada, desviava o olhar a cada vez que o malandro o direcionava para mim, os
outros que estavam no coletivo não percebiam o que acontecia, a mulher começou
a balançar os olhos com mais velocidade e olhava para mim como quem buscava
ajuda, percebi que a coisa realmente era séria e algo muito ruim poderia
acontecer.
O ônibus estava quase lotado, mas as pessoas iam descendo e
logo eu não poderia monitorar a infeliz criatura, num determinado ponto um
policial militar subiu e ficou em pé ao meu lado, percebi que o malandro ficou
apavorado, a mulher ensaiou um alívio, mas três pontos depois o homem da lei
desceu.
O bandido ficou de pé e a mulher também, ele deu sinal de que
iria descer no próximo ponto, como iam descer mais dois passageiros além deles
eu também fiquei atrás da mulher e desci. Eles seguiram por um lado e eu fingi que
estava indo para outra direção, a rua tinha um asfalto pouco conservado e ainda
havia sinais da chuva do dia anterior parei ao lado de um poste de luz e
procurei o seu anonimato para me esconder. Ainda dava para ver a mulher e
consegui perceber a hora em que o elemento deu uma cutucada mais forte na
vítima.
Comecei a seguir os dois e eles dobraram a direita, cheguei ao
mesmo ponto alguns segundos depois, da esquina pude observar que a mulher
entrava num edifício meio antigo, possivelmente sua residência, ela abriu o
portão e seguiu com o homem para dentro de sua casa, quando os dois já estavam
por pelo menos um minuto dentro da casa vi um mulher de meia idade e gorda
saindo de lá, perguntei-a por aquela mulher refém dando suas feições, ela disse
que a citada era moradora nova, Dona Osvaldina, pensava ter ouvido este nome,
ela era casada com um homem que ninguém sabia o nome e que vinha em casa de
quinze em quinze dias.
Comecei a pensar no que aquela mulher me disse e não sei bem
o porquê não liguei para a polícia naquele momento, tinha um orelhão bem perto,
mas algo me dizia que existia algo muito maior em torno daquilo tudo, esperei a
chegada do marido, pois a mulher dissera que a sexta-feira era o dia em que ele
costumava chegar. Fiquei do outro lado da rua numa lanchonete, naquela época
era solteiro e naquele dia saí mais cedo da fábrica em que trabalhava, assistia
aos filmes policiais e tinha este tipo de aspiração em minha vida, ser um
investigador de polícia.
Em poucos minutos surgiu a imagem do homem, o marido, ele
parecia arisco, olhava de um lado a outro com rapidez, ele deu uma última
olhada para o lado de fora dos portões do prédio antigo e entrou; a escada
ficava perto da garagem não tinha nenhum tipo de sinal de boas vindas era um
conjunto construído pelo governo, a pintura já estava gasta e rachaduras não
perigosas saltavam como veias de um corpo esquelético.
Não consegui ficar onde estava e fui até a entrada do prédio,
abri o portão e segui para a maior das surpresas de toda a minha vida.
Eu costumo chamar apartamentos de casa, mas naquele lugar o
que havia na verdade era uma construção, sem atrativos onde algo muito suspeito
estava acontecendo, o pior de tudo é que o marido da mulher, a que entrou com o
elemento suspeito, parecia extremamente preocupado, meu instinto de aspirante a
investigador fez-me seguir até a entrada do apartamento, comecei a ouvir uma
discussão que começava ficar acalorada, pensei em voltar e ligar para a
polícia, mas alguém dentro da casa começou a chorar, se não tivesse acompanhado
o cidadão do ônibus até aquele local diria que era ele quem chorava.
Não dava mais para esperar decidi ligar para a polícia, desci
do lugar em que estava atravessei a rua e peguei um cartão para ligar, mas algo
incomum aconteceu, parecia uma transmissão de pensamento, antes que eu ligasse
um carro da polícia civil chegou, eles entraram no edifício e gritos podiam ser
ouvidos, de lá saíram não uma pessoa algemada, mas duas! Não entendi nada. É
claro que eu não poderia dormir sem saber o porquê das algemas naquela pobre
senhora e seu inocente marido.
Para não perder muito tempo com ônibus resolvi tomar um taxi,
o desvendamento desta intrigante história seria o meu pagamento. Entrei na
Delegacia e encontrei Marcelo Romão Silva, notei que ele ainda tinha marcas de
choro na face, a imagem que construí do homem marginal acabou. Tomei coragem e
perguntei:
- Boa tarde!
-Boa tarde!
Sem que eu o perguntasse ele me disse tudo o que eu precisava
ouvir:
- Notei que você olhava para mim dentro do ônibus, percebi
que causei uma má impressão, talvez por ser negro, mas a grande verdade é que
eu é que eu sou a vítima na história toda. Eu e minha família éramos pessoas
felizes até que estes dois elementos chegaram em meu lar e ofereceram algo que
sempre quisemos uma casa nova, eles moravam numa residência nova e nos
garantiram que era deles, eu tinha umas economias e dava para pagar trinta por
cento do valor cobrado fomos ao cartório conferimos tudo e os nomes batiam.
Depois descobri que eles viviam de favor no lugar, mas já era tarde demais, o
dinheiro já havia sido pago e nós ficamos na pior, minha mulher entrou em
depressão e eu fiquei desempregado, minha patroa morreu de desgosto, um ano
depois e eu e meu filho fomos morar de favor num fundo de quintal, após cinco
anos de muita batalha consegui dar a volta por cima, aí decidi ir atrás dos que
me enganaram e evitar que tudo ocorresse com outro incauto, procurei os dois
por cinco meses, e naquele coletivo, em que você estava encontrei a mulher que
me enganou.
- E a polícia, como ficou sabendo?
- Eu já havia avisado o delegado e eles fizeram um
levantamento de tudo o que os dois aprontaram pelo Brasil, posso garantir que
foi muita coisa ruim.
Ainda falando com o meu mais novo amigo vi quando os
policiais saiam com os dois algemados, o marido não olhava para ninguém, mas a
mulher levantou os olhos e mirou-os em mim, percebi o quanto me enganei, o
quanto fui um discriminador pensando que aquele homem era o lado mau da
história.
História de Haroldo Ribeiro
imagem: policiaeviola.blogspot.com
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