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domingo, 4 de abril de 2010

O RATINHO NICOLAU

                Vida De rato não é fácil, pra começar não se pode andar por aí dando sopa, se alguém pega um rato desavisado andando na rua pela manhã por exemplo, pode ter certeza que é morte certa. Nicolau um rato de esgoto bem simpático já viu isso acontecer; em apenas uma semana viu três dos seus melhores amigos morrerem sem dó nem piedade, um deles virou refeição de um gato infeliz que mesmo tendo muita ração resolveu dar cabo de Angelino um rato amigo pra caramba, Bustamante outro rato de primeira linha comeu um negócio rosa e começou a passar mal das tripas e finou-se, já Pantaleão resolveu dar uma de Indiana Jones e foi explorar o quintal de Dona Maroca tamanho meio dia, levou uma pancada de vassoura e perdeu o rumo, a segunda foi fatal, quando Nicolau chegou por perto já não dava mais para fazer nada, Pantaleão deu o seu ultimo suspiro e resolveu deixar o convívio dos vivos.
                Com todos estes acontecimentos tristes Nicolau temeroso resolveu se esconder dentro de uma caixa cheia de papéis branquinhos e como se camuflou muito bem passou despercebido foi parar dentro de uma repartição pública, rapidamente saiu de seu esconderijo e conseguiu se esconder no forro, de lá podia ouvir tudo, mas não entendia nada, rato não pode entender gente.
                O lugar pra onde Nicolau foi era freqüentado uma vez por semana, o pessoal ia muito arrumado pra lá, falavam em tom solene e às vezes podia ser ouvido alguém mais exaltado defendendo um parecer diferente, quando terminava a reunião todos iam embora e um monte de gente, a maioria com sandálias simples esperava aquela gente importante para ouvir sempre a mesma resposta; - Não dá, vem a semana que vem!
                Um dos participantes da reunião deixou três comprimidos para a memória encima da mesa e como Nicolau não fazia nenhuma refeição já há algum tempo resolveu investir nos comprimidos e comê-los todos; o gosto não era tão bom, porém já deu pra aliviar a tremenda fome, depois de consumir os três comprimidos Nicolau encontrou por lá resto de biscoitos finos, alguns petiços, tudo de primeira, começou a achar que aquele era o paraíso.
                Após liquidar com o três comprimidos de uma vez Nicolau começou a se sentir mal, entretanto o desconforto durou pouco tempo, voltou ao seu esconderijo e pode perceber que estava havendo uma reunião, diferente das outras vezes, por mágica ele podia compreender o que era falado.
                - A gente gastou muito dinheiro na campanha, agora temos que pagar o que usamos! Disse um dos presentes.
                - Mas não estamos falando de dez Reais, são doze milhões, como vamos pagar? Nesse momento gargalhadas invadiram a sala secreta.
                - Ele não sabe como funciona o esquema. Falou outro gordinho.
                Nicolau começou a entender que algo muito errado estava ocorrendo por ali, pois se estavam num ambiente secreto é porque os outros não poderiam ouvir.
                - É o seguinte – falou o maioral de todos – nós temos duzentos mil de merenda escolar todo o mês, vamos gastar só cem e os outros cem a gente guarda. De repente alguém disse: - Mas o número de aluno aumentou, não vai dar pra fazer as refeições com este dinheiro!
                Um dos membros da cúpula aludiu: - Na época do Fonseca nem merenda tinha direito. Serve lá um mingau de milho pros pivetes, garanto que na casa deles não tem nada melhor.
                Nicolau queria poder voltar atrás e não ter que escutar nenhuma destas conversas, entretanto o pior ainda estava por vir.
                - Olha tudo o que nós conseguirmos arrecadar na Prefeitura será dez vezes menos do que o Fonseca, aquele rato!
                Nicolau ficou tonto, não sabia o que fazer, era um golpe duro demais pra que um mamífero pequeno como ele pudesse suportar, lembrou dos tempos de sua mãe ensinando a repartir o pouco que tinha com os outros ratinhos seus irmãos e agora um daqueles ladrões de terno e gravata, raça mais baixa de toda a sociedade humana chamando de rato, alguém que eles consideravam ainda piores do que eles? Eles ainda falavam de empresas fantasmas, de parentes colocados no serviço público, mesmo sem competência alguma, de desvios no serviço de lixo, na compra de equipamentos, nas licitações que todos sabiam quem ia ganhar com preços inacreditavelmente baixos, mas que seriam reajustados depois, entre outras coisas mais que comuns no podre reino humano.
                O dia passou a noite veio, chegou à manhã, Clemildes funcionária mais antiga do palácio, como era chamado o local das reuniões não acreditou no que viu. Um rato pendurado por uma corda, já morto e embaixo de si um bilhete que dizia:
                Tive que suportar muitas adversidades em toda a minha vida posso ser considerado um vencedor, nós ratos de esgoto somos honestos, não podemos ser comparados com a pior classe de gente que existe na terra, se quiserem que minha alma descanse em paz nunca mais chamem os piores dos piores de ratos... Nós temos sentimentos.
                Clemildes não sabia o que fazer, sentiu pena do ratinho suicida, deixou até mesmo uma lágrima escorrer no canto dos olhos, havia ainda gente de bem naquele palácio sombrio de desonestos.
                Nicolau assim deixou o mundo dos vivos como um rato que tinha dignidade.

Haroldo Ribeiro
www.amazontime.com


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